terça-feira, 29 de novembro de 2011

Somos apenas grandes primátas. E agora?


A bióloga em mim está dando pulinhos de alegria: nosso artigo mostrando que o cérebro humano é apenas um cérebro grande de primata - não "maior do que o esperado", não "com mais neurônios do esperado", mas apenas o esperado para um primata do nosso porte - será publicado em breve no Journal of Comparative Neurology, a revista científica especializada em neuroanatomia comparada.
É uma feliz coincidência: nosso artigo sai justo no ano do bicentenário do nascimento de Charles Darwin, quem ousou dizer que temos um ancestral em comum com os demais primatas vivos, e que desse ancestral descendemos como nossos primos macacos, gorilas e chimpanzés. Fico satisfeita, então, em poder demonstrar que Darwin estava certo até nesse aspecto: nosso cérebro é feito à semelhança do cérebro dos demais primatas - apenas maior. Meu primo Luiz Edmundo, ao me ouvir dar uma palestra sobre o assunto, disse que Darwin deve estar dando pulinhos de felicidade em sua cova. Que honra!
Já falei algumas vezes em público sobre esse trabalho, apresentando nossos números - o cérebro humano, com cerca de 1.5 kg, é composto de cerca de 86 bilhões de neurônios e outras tantas células não-neuronais, exatamente o esperado para seu tamanho - para refutar a idéia de que seríamos especiais, diferentes dos outros primatas. Como sou bióloga, a idéia nunca fez sentido para mim: por que as regras da evolução se aplicariam a todos os outros animais, menos a nós? Por outro lado, a ciência passou tanto tempo empenhada em encontrar alguma maneira de justificar nossa "superioridade" que só sossegou quando, nos anos 1950, Henry Jerison calculou o Coeficiente de Encefalização e demonstrou que, comparados aos demais mamíferos, "nosso cérebro é de 5 a 7 vezes maior do que o esperado". Assunto encerrado: somos especiais.
Nossa superioridade também não é desprovida de carga religiosa - afinal, não somos feitos à imagem de Deus? Por tudo isso, eu esperava sempre algum grau de repúdio ou estranhamento das platéias que ouviam nossa descoberta. Mas, para minha surpresa, a recepção à idéia "herética" de que somos apenas primatas grandes era sempre muito positiva. Bom sinal: ficamos, como cultura, menos avessos à idéia de que somos animais, talvez?
Curiosamente, foi dos meus pares que vieram as críticas. Nosso trabalho só não foi publicado na revista Science porque um dos revisores decretou, preto sobre branco: "Não pode estar certo. Sabemos há muito tempo que o cérebro humano é maior do que o esperado". A razão? Gorilas e orangotangos têm o corpo maior do que o nosso, mas o cérebro deles corresponde a apenas 1/3 do nosso. Se somos menores do que eles mas temos um cérebro maior, esse cérebro então é "maior do que o esperado".
Esse revisor desdenhou nossa hipótese alternativa de que talvez tenhamos todos nós, humanos e gorilas, cérebros feitos da mesma maneira, como primatas que somos - mas corpos que podem crescer mais ou menos (o que mostraremos em breve, em outro artigo).
Felizmente, outras revistas, com outros pareceristas, aceitaram publicar tamanha heresia - e agora, graças a ciência tupiniquim (com muita honra!), autores de livros didáticos precisam fazer algumas revisões:
- nosso cérebro não é maior do que o esperado, se comparado com outros primatas (à exceção de gorilas, orangotangos e chimpanzés, que têm o corpo exageradamente grande para o cérebro que possuem);
- não temos 100 bilhões de neurônios, mas cerca de 86 bilhões - bem perto do esperado para um cérebro primata de 1.5 kg. Os 14 bilhões de neurônios que faltam para o "número mágico" podem parecer uma diferença pequena, mas equivale a dois cérebros de macaco reso inteiros; e
- não temos 10 vezes mais células gliais no cérebro, e sim o mesmo número de neurônios e células não-neuronais.
Agora é esperar a publicação do artigo para ver o que os demais cientistas - e o grande público - acham da
 estória!

Suzana Herculando - Neurocientísna

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